17 de out. de 2011

Quindins na Portaria

Estava lendo o novo livro do Paulo Hecker Filho, Fidelidades, onde, numa de suas prosas poéticas, ele conta que, antigamente, deixava bilhetes, livros e quindins na portaria do prédio do Mario Quintana: 'Para estar ao lado sem pesar com a presença'.

Para a maioria das pessoas, isso que chamo de um raro estalo de sensibilidade tem outro nome: frescura. Afinal, todo mundo gosta de carinho, todo mundo quer ser visitado, ninguém pesa com sua presença num mundo já tão individualista e solitário.

Ah, pesa.

Até mesmo uma relação íntima exige certos cuidados. Eu bato na porta antes de entrar no quarto das minhas filhas e na de meu próprio quarto, se sei que está ocupado.

Eu pergunto para minha mãe se ela está livre antes de prosseguir com uma conversa por telefone. Eu não faço visitas inesperadas a ninguém, a não ser em caso de urgência, mas até minhas urgências tive a sorte de que fossem delicadas.

Pessoas não ficam sentadas em seus sofás aguardando a chegada do Messias, o que dirá a do vizinho. Pessoas estão jantando. Pessoas estão preocupadas. Pessoas estão com o seu blusão preferido, aquele meio sujo e rasgado, que elas só usam quando ninguém está vendo. Pessoas estão chorando. Pessoas estão assistindo a seu programa de tevê favorito.

Pessoas estão se amando. Avise que está a caminho. Frescura, jura? Então tá, frescura, que seja.

Adoro e-mails justamente porque são sempre bem-vindos, e posso retribuí-los sabendo que nada interromperei do lado de lá. Sem falar que encurtam o caminho para a intimidade. Dizemos pelo computador coisas que face a face seriam mais trabalhosas.

Por não ser ao vivo, perde o caráter afetivo? Nem se discute que o encontro é sagrado. Mas é possível estar ao lado de quem a gente gosta por outros meios. Quando leio um livro indicado por uma amiga, fico mais próxima dela. Quando mando flores, vou junto com o cartão. Já visitei um pequeno lugarejo só para sentir o impacto que uma pessoa querida havia sentido, anos antes. Também é estar junto.

Sendo assim, bilhetes, e-mails, livros e quindins na portaria não é distância: é só um outro tipo de abraço.

Martha Medeiros

4 comentários:

  1. Que vida corrida nós temos que deixamos de fazer um agrado ou dar atenção pra quem está no nosso lado. Rever conceitos................
    bjs
    Enia

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  2. É muito bom ser lembrada, mas aquelas visitas surpresa no feriado que vc tá afim de passar o dia de pijamas, comendo pipoca e vendo filmes...

    Um quindin pra vc Enia e outro pra vc Nádia.

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  3. Carla
    Adoro quindim....bjs Enia

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  4. Carla,
    Precisamos ser lembrados sem invadirmos privacidade dos outros..
    Amei os quindins, comi primeiro a parte debaixo, depois creme...rs

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