Esse relato é uma
lição de que sabedoria e compreensão da existência terrena. Assim como todas as
provas e dores pelas quais passamos, independem do tempo de permanência nesse
plano. Uns estão aqui para aprender, muitos chegam até nós apenas para ensinar.
Nunca devemos fugir ou
nos esquivar do sofrimento alheio, porque muitas vezes, alguém sofre para que
evitemos, ou minimizemos o nosso sofrer, que se não for nessa vida, pode ser em outra.
E compreendermos que aqui, não é o nosso lugar definitivo, estamos de passagem, ensinando e aprendendo.
E compreendermos que aqui, não é o nosso lugar definitivo, estamos de passagem, ensinando e aprendendo.
Para que esse ciclo se
complete, precisamos estar abertos ao
aprendizado que recebemos a todo instante, das mais variadas formas e de todos
que chegam até nós...
Para isso, só
precisamos ser mais humanos e solidários com nossos irmãos.
Médico cancerologista, já calejado com longos 29 anos de
atuação profissional, com toda vivência e experiência que o exercício da
medicina nos traz, posso afirmar que cresci e me modifiquei com os dramas
vivenciados pelos meus pacientes. Dizem que a dor é quem ensina a viver.
Não conhecemos nossa verdadeira dimensão, até que, pegos
pela adversidade, descobrimos que somos capazes de ir muito mais além.
Descobrimos uma força mágica que nos ergue, nos anima, e não
raro, nos descobrimos confortando aqueles que vieram para nos confortar.
Um dia, um anjo passou por mim...
No início da minha vida profissional, senti-me atraído em
tratar crianças, me entusiasmei com a oncologia infantil. Tinha, e tenho ainda
hoje, um carinho muito grande por crianças. Elas nos enternecem e nos
surpreendem como suas maneiras simples e diretas de ver o mundo, sem meias verdades.
Nós médicos somos treinados para nos sentirmos
"deuses". Só que não o somos!
Não acho o sentimento de onipotência de todo ruim, se bem
dosado. É este sentimento que nos impulsiona, que nos ajuda a vencer desafios, a
se rebelar contra a morte e a tentar ir sempre mais além. Se mal dosado, porém,
este sentimento será de arrogância e prepotência, o que não é bom.
Quando perdemos um paciente, voltamos à planície,
experimentamos o fracasso e os limites que a ciência nos impõe e entendemos que
não somos deuses. Somos forçados a
reconhecer nossos limites!
Recordo-me com emoção do Hospital do Câncer de Pernambuco,
onde dei meus primeiros passos como profissional. Nesse hospital, comecei a frequentar
a enfermaria infantil, e a me apaixonar pela oncopediatria.
Mas também comecei a vivenciar os dramas dos meus pacientes,
particularmente os das crianças, que via como vítimas inocentes desta terrível
doença que é o câncer.
Com o nascimento da minha primeira filha, comecei a me
acovardar ao ver o sofrimento destas crianças.
Até o dia em que um anjo passou por mim.
Meu anjo veio na forma de uma criança, já com 11 anos,
calejada porém por 2 longos anos de
tratamentos dos mais diversos, hospitais, exames, manipulações, injeções, e
todos os desconfortos trazidos pelos programas de quimioterapia e radioterapia.
Mas nunca vi meu anjo fraquejar.
Já a vi chorar sim, muitas vezes, mas não via fraqueza em
seu choro.
Via medo em seus olhinhos algumas vezes, e isto é humano!
Mas via confiança e determinação.
Ela entregava o bracinho à enfermeira, e com uma lágrima nos
olhos dizia:
- Faça tia, é preciso para eu ficar boa.
Um dia, cheguei ao hospital de manhã cedinho e encontrei meu
anjo sozinho no quarto. Perguntei pela mãe. E comecei a ouvir uma resposta, que
ainda hoje, não consigo contar sem vivenciar profunda emoção.
Meu anjo respondeu:
- Tio - disse-me ela -
Ás vezes minha mãe sai do quarto para chorar escondido nos corredores. Quando
eu morrer, acho que ela vai ficar com muita saudade de mim. Mas eu não tenho
medo de morrer, tio. Eu não nasci para esta vida!
Pensando no que a morte representava para crianças, que
assistem seus heróis morrerem e ressuscitarem nos seriados e filmes, indaguei:
- E o que morte
representa para você, minha querida?
- Olha tio, quando a
gente é pequena, às vezes, vamos dormir na cama do nosso pai e no outro dia
acordamos no nosso quarto, em nossa própria cama não é?
(Lembrei minhas filhas, na época crianças de 6 e 2 anos,
costumavam dormir no meu quarto e após dormirem eu procedia exatamente assim.)
- É isso mesmo, e
então?
- Vou explicar o que
acontece - continuou ela - Quando nós dormimos, nosso pai vem e nos leva nos
braços para o nosso quarto, para nossa cama, não é?
- É isso mesmo
querida, você é muito esperta!
- Olha tio, eu não
nasci para esta vida! Um dia eu vou dormir e o meu Pai vem me buscar. Vou
acordar na casa Dele, na minha vida verdadeira!
Fiquei "entupigaitado". Boquiaberto, não sabia o
que dizer. Chocado com o pensamento deste anjinho, com a maturidade que o
sofrimento acelerou, com a visão e grande espiritualidade desta criança, fiquei
parado, sem ação.
- E minha mãe vai
ficar com muitas saudades minha, emendou ela.
Emocionado, travado na garganta, contendo uma lágrima e um
soluço, perguntei ao meu anjo:
- E o que saudade
significa para você, minha querida?
- Não sabe não tio? Saudade é o amor que fica!
Hoje, aos 53 anos de idade, desafio qualquer um dar uma
definição melhor, mais direta e mais simples para a palavra saudade: É o amor que fica!
Um anjo passou por mim...
Foi enviado para me dizer que existe muito mais entre o céu
e a terra, do que nos permitimos enxergar.
Que geralmente, absolutilizamos tudo que é relativo (carros
novos, casas, roupas de grife, joias) enquanto relativizamos a única coisa absoluta
que temos, nossa transcendência.
Meu anjinho já se foi, há longos anos.
Mas me deixou uma grande lição, vindo de alguém que jamais
pensei, por ser criança e portadora de grave doença, e a quem nunca mais
esqueci.
Deixou uma lição que ajudou a melhorar a minha vida, a
tentar ser mais humano e carinhoso com meus doentes, a repensar meus valores.
Hoje, quando a noite chega e o céu está limpo, vejo uma
linda estrela a quem chamo "meu anjo”, que brilha e resplandece no céu.
Imagino ser ela, fulgurante em sua nova e eterna casa.
Obrigado anjinho, pela vida bonita que teve; pelas lições
que me ensinaste, pela ajuda que me deste. Que bom que existe saudade!
(Rogério Brandão - Médico Oncologista Clínico)
http://www.youtube.com/watch?v=LYRRHk4zdj4
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